O futuro do trabalho no Direito

Prof. Fabricio Hordones e Profa. Valéria Abritta Drumond
professores da Faculdade Mineira de Direito – FMD PUC Minas

Em época de grandes mudanças em nossa rotina e em nossa forma de viver e trabalhar causadas pela revolução digital surgem inevitavelmente as seguintes perguntas: qual o futuro das profissões jurídicas?

Quais atividades jurídicas serão realizadas pelo homem e quais atividades serão realizadas pela inteligência artificial? Como os profissionais do direito sobreviverão a essas transformações? Ou como se adaptarão a elas, tornando-as aliadas necessárias para uma entrega mais rápida, eficiente e com menor custo para os clientes?

Habilidades e competências
Sabemos que novas funções surgirão com a inovação tecnológica, especialmente em áreas ligadas à proteção de dados e à sustentabilidade. A relevância da questão sócio-ambiental e dos demais Objetivos de Desenvolvimento sustentável (ODS) da Nações Unidas terão inevitáveis desdobramentos no futuro das profissões jurídicas.

As ações contra a mudança global do clima, a garantia de acesso à energia limpa e renovável, a promoção do trabalho decente e do crescimento econômico, a garantia do consumo e da produção responsáveis , a garantia do acesso de todos à justiça através de instituições eficazes, são apenas alguns desses objetivos que ensejarão a atuação de profissionais da área jurídica.

Esses novos desafios exigirão novas habilidades e competências. Refletindo a necessidade de adequar a formação jurídica às demandas atuais, a Resolução 757/2020 CES/CNE alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Direito para prever a inclusão de disciplinas que dialogam com essa nova realidade.

Entre elas podemos citar o Direito Financeiro, justificado por seu impacto nas contas públicas, na governança pública e na efetividade das políticas públicas; o letramento digital, que se tornou fundamental para o exercício pleno da cidadania, o que fica particularmente evidente no Direito Eleitoral, pois o eleitor necessita de habilidades digitais para acessar informações sobre candidatos, entender propostas e até mesmo para votar em sistemas eletrônicos de votação.

Contudo, não basta dominar apenas os conhecimentos técnico-jurídicos, ou seja, as hard skills. Além dessa expertise, o mercado de trabalho valoriza e, cada vez mais, dará importância às soft skills, que são as habilidades sócio emocionais. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Graduação em Direito, entre as diversas soft skills destacam-se a aprendizagem ativa, a negociação, a resolução de problemas complexos, o pensamento analítico e a inovação.

Soft Skills
A aprendizagem ativa requer do estudante compromisso com a própria formação, uma postura de quem não apenas recebe conhecimento, o que Paulo Freire chamou de “educação bancária”, mas que reflete sobre o próprio ato de aprender e sobre formas de atuar sobre a realidade, usando a criatividade para encontrar meios diferentes de resolver problemas, de lidar com situações imprevistas, rever posições e atitudes caso seja necessário uma mudança de rota.

A interação e a colaboração com os colegas neste processo é um preditivo para o trabalho em equipe no futuro ambiente profissional.

A aprendizagem ativa é uma habilidade necessária também para os que já concluíram a graduação e já estão em atividade, pois ela implicará também no reskilling, a requalificação necessária em razão das constantes inovações no mundo do trabalho.

Para quem já concluiu a graduação em Direito é fundamental a busca constante de atualização, seja através de pós-graduação ou de cursos de atualização que proporcionem uma educação continuada.

Habilidade de negociação
Outra skill importante será a habilidade de negociação, para a qual é preciso desenvolver a cultura do diálogo. Requer inteligência emocional, saber ouvir, empatia para identificar e reconhecer os interesses e necessidades dos clientes ou de sua equipe de trabalho.

Para aprimorar a habilidade de negociação, é preciso buscar “a articulação de saberes” com outras áreas do conhecimento como a psicologia, as ciências sociais, a antropologia, entre várias outras. É preciso refinar a competência do diálogo, da boa comunicação, e da colaboração. Essa “articulação de saberes” amplia o potencial humano e ajuda a aprimorar as habilidades sócio comportamentais. Daí a importância de se desenvolver projetos comuns e interdisciplinares valorizando a produção coletiva e o trabalho em equipe.

A habilidade de negociação também já é e será cada vez mais uma competência valorizada, especialmente por ser uma das principais ferramentas dos métodos consensuais de solução de conflitos.

Mediação de conflitos
A resolução de problemas complexos é outra habilidade importante a ser considerada. Os profissionais do direito mais preparados serão aqueles que, além do processo judicial, conhecem os diferentes métodos de resolução de conflitos, especialmente os métodos consensuais como a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem.

Aquele profissional que sabe orientar o seu cliente sobre os vários caminhos possíveis para resolver um problema e que sabe que o sistema de justiça é um sistema multiportas, evitará a judicialização de conflitos e custo financeiro e emocional que ela acarreta.

Os métodos consensuais de solução de conflitos serão a principal via de acesso à justiça, pois estimula a cultura da paz e do diálogo em lugar da cultura do litígio, além de viabilizar a garantia constitucional da razoável duração do processo.

Observe-se que são princípios da mediação e da conciliação o respeito à ordem pública e as leis vigentes, assim como a arbitragem deve se pautar pelos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

O pensamento analítico e inovação é outra skill a ser destacada em um cenário onde o ser humano e a inteligência artificial precisam caminhar lado a lado. E nesse aspecto, o futuro já começou.

Inteligência Artificial
A inteligência artificial (IA) começou a transformar a maneira como advogados, juízes e demais profissionais do direito exercem suas atividades. Longe de substituir o trabalho humano, a IA tem provado ser uma ferramenta valiosa, potencializando a eficiência e a precisão em diversas áreas do direito.

Uma das maiores contribuições da IA no campo jurídico é a análise preditiva. Utilizando vastos conjuntos de dados judiciais, algoritmos avançados são capazes de prever, com relativa precisão, os possíveis desfechos de litígios, guiando estratégias legais e ajudando a tomada de decisão. Isso permite que os advogados tenham um entendimento mais profundo das tendências judiciais, o que pode levar a resoluções de disputas mais rápidas e eficazes.

Além da análise preditiva, os sistemas de IA estão sendo utilizados para otimizar a revisão e o gerenciamento de documentos. Através do reconhecimento de padrões, estes sistemas podem rapidamente identificar informações relevantes, fazer verificações de conformidade e até mesmo redigir simples contratos. Tal capacidade não só economiza incontáveis horas de trabalho manual, como também reduz erros humanos, assegurando uma maior qualidade de trabalho.

Por fim, é fundamental reconhecer que a IA não busca substituir o raciocínio jurídico, mas complementá-lo. As máquinas são excepcionais ao lidar com quantidades massivas de informações, mas ainda carecem da empatia, intuição e julgamento moral que definem a experiência humana. Os profissionais do Direito que estão abraçando esta nova ferramenta estão descobrindo maneiras inovadoras de entregar justiça, reforçando o valor insubstituível do toque humano no mundo jurídico.

Os profissionais assim formados terão sempre lugar no mercado de trabalho serão sempre requisitados por suas habilidades e por sua reconhecida competência.

Artigo de Fabricio Hordones e Valéria Abritta Drumond, professores da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas.

Bibliografia consultada:
Perrenoud, Phlippe et alii. As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre, Artmed, 2002.

Freire, Paulo . Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e terra, 1974 Sussekind, Richard & Sussekind, Daniel. O futuro das profissões. Editora Gradiva, 2019.

Resolução CNE/CES nº 5 de 17/12/2018 Parecer nº 757/2020 https://brasil.un.org/pt-br/sdgs Os objetivos de desenvolvimento sustentável no Brasil. Nações Unidas Brasil. 2022 Acesso: 21 de agosto de 2023

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